Artes visuais e cultura negra: a fotografia como ferramenta para construção de novos olhares
por Juliana dos Santos
Pensar
a representação do negro nas artes é tarefa para a prática de artistas, educadores e professores. Arte é discurso e
sua materialização se dá através de imagens reelaboradas a partir da
subjetividade dos artistas, das suas impressões acerca da vida e dos contextos
históricos, sociais e políticos nos quais artes e artistas estão inseridos. Por
isso, refletir criticamente sobre as imagens e as diversos contextos em que
foram criadas e circularam é um desafio fundamental.
Vivemos
um mundo globalizado, onde a cultura visual é forte elemento de formação.
Questões políticas, ideológicas e identitárias são forjadas por diversos
mecanismos, das mídias publicitarias às artes em geral. Mas embora o mundo seja
globalizado, as imagem veiculadas repetem padrões facilmente identificáveis:
quando se trata de artes visuais quase sempre nos são apresentados artistas de
origem europeia e estadounidense, e mesmo quando brasileiros quase não vemos
artistas negros em evidência.
Pelo
discurso fotográfico é possível reproduzir a lógica ou construir outros olhares
para a história das artes brasileiras. Este artigo aponta a fotografia como
ferramenta para desconstrução de leituras cristalizadas e para a análise de
imagens de maneira crítica, com atenção aos sentidos, significados e ideologias
nelas presentes. Vale, contudo, analisar como o sistema de arte negligenciou
artistas negros e como a fotografia, de início ferramenta introduzida pelo
colonizador, foi utilizada para elaborar narrativas enviesadas sobre o
imaginário do negro no Brasil.
Um
dos processos aos quais as populações africanas foram submetidas na diáspora
foi a tentativa de negação de sua dignidade e humanidade expressa em imagens
que associavam os negros e suas artes
somente ao trabalho braçal e artesanal. Não reconhecer a produção
artística e cultural destas pessoas era negar sua agência enquanto sujeitos que
reelaboram, interpretam e compõem uma arte tão complexa e sofisticada quanto
qualquer outra. Daí a urgência por
reivindicar um arte afro-brasileira: lançar luz a como artistas negros
reescrevem as narrativas para trazer a tona o debate do lugar do negro na arte
brasileira.
No
entanto, ainda carecemos em grande parte das escolas, do ensino básico ao
superior, de referências que ampliem o repertório e desconstruam estereótipos
racistas a respeito do negro e a suas produções artísticas. Outras abordagens
podem ser desenvolvidas pelos educadores, com referenciais de diferentes
períodos, desde as imagens produzidas no período colonial até a produção do
negro nas artes contemporâneas como forma de reelaborar os lugares de
representação do negro na arte e na sociedade.
Na
mesma direção, a abordagem triangular desenvolvida por Ana Mae Barbosa pode nos
auxiliar neste processo de formação crítica na arte por meio dos exercícios de
leituras de imagem, contextualização das obras e dos artistas e fazer
artístico. Com estes dois direcionamentos fundamentais, primeiro de olhar para
as produções com olhar crítico e depois de utilizar a abordagem triangular como
método, talvez seja mais possível a reelaboração e construção de diferentes
representações do negros e de suas diversas produções artísticas de modo mais
condizente com a sociedade brasileira composta por mais da metade de sua
população negra e afrodescendentes.
Questões para uma atividade prática
Sobre o debate acerca das formas de representação do corpo negro na
fotografia, tendo como base o olhar crítico e a abordagem triangular, proponha
leitura e relação entre a obra "Assentamento" de Rosana Paulino (imagem 1) e de algumas fotografias de Christiano Junior (1832-1902) (imagem 2), compostas
por diversos retratos de homens e mulheres negras na condição de escravizados
no brasil em meados do séc. XIX.
Nesta proposta é possível fomentar questões
acerca da produção contemporânea, o processo de apropriação de imagens para sua
ressignifcação e questionamentos do discursos construídos historicamente? A
imagem utilizada pela artista Rosana Paulino tem alguma semelhança com os
registros de Christiano Jr.? As fotografias de Christiano Jr. representam os negros
em que condições? Como estão construídas as cenas, observe a postura, as roupa,
o olhar das pessoas e o cenário no qual elas estão inseridas. Como a artista
reelabora a representação do corpo da mulher negra em sua obra?
Selecione
e imprima algumas fotos de Christiano Jr. que tenham negros representados para
serem recortadas e utilizadas na composição de pequenas colagens e intervenções
realizados em grupos. Proponha a análise e leitura da imagem em grupos e o
levantamento de palavras e conceitos que surgirem durante o processo. Por fim,
utiliza as imagens para a elaboração de composições que apresentem outras
possibilidades de representação destas mesmas fotografias. Questione e debata
os possíveis termos pejorativos quem podem surgir durante a atividade.
O retrato e autorretrato é uma prática cada vez mais recorrente atualmente, as famosas "selfies" funcionam como possíveis ferramentas de uma escrita de si mesmo. Que tal propor um trabalho de uma série de fotografia de autorretratos e retratos e elaborar uma pequena mostra com debate sobre como cada um se representou, como cada um se vê representado e como representamos o outro? A ideia é propor um processo de sensibilização a partir da própria imagem e da construção da imagem do outro, as fotografias podem ser feitas com qualquer equipamento fotográfico até com os celulares.
Apresentar as obras de artistas contemporâneos tais como Rosana Paulino, Sidney Amaral e Tiago Gualberto para pensar como cada um deles usa a linguagem fotográfica de maneira diferente, mas de modo a fazer referência a desconstrução e questionamentos dos lugares do negro na arte e na sociedade.
Sugestão
de Obras:
Rosana Paulino Assentamento
os, autorretratos de Sidney Amaral e a Árvores do Esquecimento de Tiago
Gualberto.
Referências:
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